Lula pretenderia “abrasileirar” Cuba e a Venezuela política e socialmente, e mais tarde, pondo-se a sonhar, possivelmente também a Argentina
POR JUAN ARIAS, DO EL PAÍS (EDIÇÃO DESTA QUINTA-FEIRA, 6/3/2014)
Lula presenteia Fidel Castro com uma camiseta do Brasil. / R. Stuckert AFP
O ex-presidente Lula da Silva, que seria hoje o mais votado se fosse novamente candidato à Presidência da República, acalenta, segundo um de seus conselheiros próximos, um sonho secreto com Cuba.
Apesar das críticas feitas por alguns setores, o ex-presidente Lula está, com efeito, multiplicando suas viagens à ilha caribenha, atuando assim como um ministro extraoficial de Relações Exteriores do Governo da presidenta Dilma Rousseff.
O sonho de Lula é que Cuba, que inevitavelmente terá de sair do túnel de sua ditadura militar para abrir espaços de democracia, faça isso conforme o “modelo brasileiro” por ele idealizado em seus oito anos de Governo.
E o sonho de Lula com Cuba abraçaria também a irmã Venezuela. Não por acaso, dias atrás, em Havana, depois de declarar formalmente que “Maduro é um homem bem intencionado que deseja o melhor para seu país”, o que equivale a dizer nada e tudo ao mesmo tempo, ele acrescentou que “a Venezuela precisa de paz e tranquilidade” para “recuperar todo seu potencial na geração de riqueza”. E isso sim quer dizer muito.
Lula é um político que sabe usar seu passado de sindicalista e fundador do maior partido de esquerda da América Latina, o PT, para conseguir ser um interlocutor fiável nos países do eixo do socialismo bolivariano, ao mesmo tempo em que seu pragmatismo político e sua falta de ideologia em nível pessoal (“Não sou de esquerda nem de direita”, é seu lema) o aproximaram do mundo do neoliberalismo, o que lhe permitiu e permite manter magníficas relações com os bancos e o empresariado internacional.
Em sua última conferência em Cuba, Lula explicou aos irmãos Castro como ele conseguia atrair os investidores estrangeiros. E o Brasil foi o primeiro a oferecer esses investimentos milionários, ajudando na construção do porto de Mariel, graças ao qual Cuba poderá ter mais facilidade nas suas relações econômicas com a Rússia, a China e o próprio Brasil. Ao mesmo tempo, o novo porto é estratégico por sua proximidade com o novo Canal do Panamá.
Lula levou em sua viagem a Cuba o chamado “rei da soja”, o ex-governador do Mato Grosso Blairo Maggi, para ensinar os cubanos a produzirem soja com melhor qualidade. Hoje o Brasil produz 4 toneladas de soja por hectare, contra 1,2 de Cuba. Maggi se ofereceu a enviar técnicos da Embrapa a Cuba e a receber cubanos dispostos a se especializarem no Brasil.
Os últimos Governos brasileiros acompanharam de perto a evolução do regime castrista, à espera de que este possa cair e se transformar em uma espécie de democracia incipiente.
Lula – sabedor de que o povo cubano é parecido com o brasileiro em sua idiossincrasia, em seu espírito festivo, em sua cultura popular – sonha com que Cuba possa, liquidada a ditadura, seguir o modelo político e social brasileiro.
Após décadas de ditadura com dependência do Estado por parte dos cidadãos, Cuba, em seus primeiros momentos de abertura, poderia imitar o capitalismo brasileiro, ainda fortemente dependente do Estado e com uma boa dose de nacionalismo, mas que ao mesmo tempo começa a se abrir às privatizações.
Também políticas sociais, como o Bolsa Família, implantadas por Lula – que as herdou de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, mas multiplicou-as até alcançar 15 milhões de famílias, com um total de 40 milhões de pessoas –poderiam ser transplantadas para Cuba, com a vantagem de que o primeiro Governo nascido depois da ditadura poderia continuar contando com a adesão da maioria dos cubanos que receberiam vultosas ajuda sociais, um aumento do salário mínimo, acesso ao crédito público e uma melhoria geral de vida junto com novas estruturas democráticas.
São estes 40 milhões de beneficiários das regalias sociais do Governo que asseguram hoje, por exemplo, a continuidade no poder do Partido dos Trabalhadores (PT).
Sob as asas do Brasil e seguindo as pegadas dos bem-sucedidos Governos do PT, Cuba poderia receber deste país os instrumentos necessários nos primórdios do seu nascimento para a democracia, sob a égide de Lula, que, à sombra, continua sendo o eixo da política brasileira.
E como Cuba não é hoje concebível sem a Venezuela, Lula está também à espera do que possa ocorrer nesse país, onde sempre apoiou o caudilho Chávez e hoje apoia institucionalmente Maduro, por ter sido eleito com voto popular. Ele quer colocar ambos os países na rota do Brasil, que não é a do acordo do Pacífico, já que haverá sempre uma veia aberta ou sutilmente antiamericana, algo que continuará fazendo parte por muito tempo do socialismo cubano- bolivariano.
Lula pretenderia, em uma palavra, “abrasileirar” Cuba e a Venezuela política e socialmente, e mais tarde, pondo-se a sonhar, possivelmente também a Argentina. Seria o “eixo Lula” da política na América do Sul.
Um sonho? Talvez, mas, segundo quem conhece bem o ex-sindicalista que ainda não desistiu de disputar novamente a Presidência, um sonho com olhos abertos.
Em outubro de 2011, no fim de uma entrevista concedida a uma emissora de TV da Colômbia, o ex-presidente Alvaro Uribe perguntou à apresentadora do programa La Noche se podia dizer “una cosita más” sobre a situação da Venezuela, palco de mais um golpe institucional forjado por Hugo Chávez para submeter o Congresso à sua vontade. Conseguiu três minutos adicionais, tempo suficiente para mostrar que a “democracia bolivariana” é só mais uma ramificação degenerada da velha tribo comunista.
Com a autoridade de quem encurralou e condenou à morte por raquitismo os narcoterroristas das FARC, Uribe denunciou sem eufemismos nem rodeios os perigos embutidos na ofensiva contra o Estado de Direito que Hugo Chávez desencadeou, com o apoio militante de Lula, e Nicolás Maduro tenta consumar com a cumplicidade pusilânime de Dilma Rousseff. A gravação foi feita há dois anos e cinco meses. Parece ter sido divulgada há duas horas e cinco minutos.
Revejam em ação um democrata sem medo. O texto traduzido (ver a seguir) confirma que Alvaro Uribe falou também em nome dos brasileiros decentes. (AN)
O que mais me preocupa é que, pouco a pouco, estão montando outra Cuba. Não com 11 milhões de habitantes, mas 28 milhões, com petróleo e aliada a potências nucleares do Oriente. Com 2.216 quilômetros de fronteira com a Colômbia. Que está eliminando a independência entre as instituições, que está eliminando a empresa privada, eliminando a criatividade. E que tem certeza que não fracassará, como fracassaram outros tipos de comunismo, porque a diferença é o petróleo. Mas está fadado ao fracasso mesmo com o petróleo. A história mostra que sem a iniciativa privada as economias fracassam, porque os povos se enfraquecem e se acaba a criatividade.
O povo cubano é pobre. A educação e a saúde não bastaram porque, como não havia empresas privadas, os avanços conquistados pela educação e a saúde não se traduziram em bem estar social. E hoje, como não há empresas privadas, a educação e a saúde estão estagnadas, entre outras razões porque não existe a revolução das comunicações. Todas as formas de comunismo fracassaram. O fracasso de Cuba se deve em boa parte à permissividade latino-americana com a ditadura cubana. Eu temo que estamos fazendo um grande mal ao povo venezuelano com a permissividade latino-americana em relação à ditadura da Venezuela.
O mundo protestou contra o golpe de estado em Honduras. Por que ninguém protestou contra o golpe de estado na Venezuela? Tão grave quanto um golpe de estado contra um braço do poder público, que é o Executivo, é um golpe de estado contra o Legislativo, que é outro braço do poder público. Houve na Venezuela houve um golpe de estado contra o Legislativo e a América Latina permaneceu em silêncio. É muito grave que o silêncio dos dirigentes latino-americanos, que ajudou a consolidar a ditadura cubana, agora esteja abrindo caminho e estendendo o tapete vermelho para essa nova ditadura venezuelana.
Pequim promoverá a migração do campo para as cidades, a fim de estimular a demanda
Por José Reinoso, no EL PAÍS
Em novembro passado, a China iniciou o maior plano de reformas econômicas e sociais das últimas décadas no país, durante a Terceira Plenária do 18º. Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCC). Decidiu liberalizar mais os mercados, outorgar um maior papel à iniciativa privada, acelerar os planos de urbanização da população, suavizar a política do filho único e pôr fim aos campos de reeducação, entre outros. Pequim deu impulso à iniciativa privada e mostrou que seus líderes têm a clara intenção de reformar profundamente a economia, de modo a torná-la mais sustentável, menos dependente dos investimentos e da exportação e mais voltada para o consumo interno, além de reduzir as disparidades sociais. Desde então, o Governo empreendeu passos neste sentido, e hoje o primeiro-ministro Li Keqiang deu um novo empurrão a isso, na abertura da sessão anual da Assembleia Nacional Popular – o Parlamento chinês –, na praça Tiananmen, em Pequim.
Li, que ascendeu ao cargo há um ano, leu com voz pausada, durante uma hora e 45 minutos, o relatório sobre a atuação do Governo em 2013 e as perspectivas para o ano em curso, deixando claro que “a reforma é a prioridade número um do trabalho do Governo para este ano”. “Vamos nos concentrar na reforma estrutural da economia”, afirmou ele no gigantesco salão de atos do Grande Palácio do Povo, perante os quase 3.000 deputados vindos de todos os cantos do país para debater durante as próximas duas próximas e referendar o que já foi aprovado pela cúpula dirigente. No lado de fora, centenas de policiais, soldados e agentes à paisana vigiavam cada centímetro da praça, a maior parte da qual estava fechada ao público. Entre a chegada à Tiananmen e o acesso ao plenário era preciso passar por controles.
Antes que Li Keqiang iniciasse seu pronunciamento, os participantes observaram um minuto de silêncio pelas 29 pessoas mortas a facadas no sábado na estação ferroviária de Kunming, num ataque cometido por oito separatistas da região autônoma de Xinjiang, segundo relato da polícia.
Li prometeu abrir setores estatais ao capital privado, incluindo atividades como bancos, petróleo, geração elétrica, ferrovias e telecomunicações. “Continuaremos liberalizando as taxas de juros, dando às instituições financeiras mais poder para fixá-las”, declarou o primeiro-ministro. Afirmou ainda que a China deve garantir que “o mercado desempenhe um papel decisivo” na economia – embora o Estado continue tendo o papel central – e disse que Pequim “manterá a taxa de câmbio do renminbi basicamente estável e em um nível equilibrado e adequado, e expandirá a banda de flutuação”, atualmente fixada em 1% para cima ou para baixo de um ponto estipulado pelo banco central. Pequim dará grande prioridade à reforma dos sistemas fiscal e tributário, abrirá mais setores ao capital estrangeiro, enxugará a Administração e delegará mais processos decisórios aos governos locais.
O Governo pretende transformar o consumo em um dos principais motores da economia, consciente de que o atual modelo de desenvolvimento, baseado principalmente no investimento e nas exportações, se esgotou. E essa é outra das prioridades de Pequim: incentivar a demanda interna, para o que, conforme reconheceu Li, é necessário incrementar a renda da população.
O dirigente anunciou para este ano uma previsão de crescimento econômico de 7,5%, frente aos 7,7% de alta registrada em 2013 – embora a previsão para o ano passado também fosse de 7,5%. A inflação prevista para 2014 é de 3,5%, igual à meta de 2013, quando o valor real ficou em 2,6%.
O primeiro-ministro afirmou que os desafios são enormes, e entre eles citou os seguintes: “Os alicerces para sustentar um crescimento econômico constante ainda não estão firmes”, “os riscos escondidos” nos bancos públicos, o excesso de capacidade produtiva em alguns setores, a crescente dificuldade para ampliar a renda nas zonas rurais, “a gravidade da poluição do ar, da água e do solo” em alguns lugares, os problemas de segurança alimentar, o custo da moradia, a irregular distribuição de renda, as expropriações de terrenos e a corrupção. Entretanto, insistiu, “a China tem a base e as condições para manter uma taxa de crescimento econômico média-alta durante algum tempo”.
Outra medida importante que a China acelerará neste ano é o processo de urbanização – ou seja, o deslocamento de milhões de habitantes das zonas rurais para as urbanas –, porque, segundo Li, “essas é a via segura para a modernização” e para a criação de novos consumidores. Isto implicará a reforma progressiva do sistema de recenseamento, ou hukou (o registro de residência familiar que liga cada chinês ao seu lugar de nascimento e o impede, ao migrar para outras cidades, de receber os mesmos benefícios sociais que os locais). O Governo pretende também dar aos camponeses mais direitos de propriedade sobre a terra. Pequim incrementará o gasto em educação, consolidará o sistema de seguro médico básico e impulsionará o sistema de seguridade social.
Li Keqiang – interrompido de quando em vez pelos aplausos dos deputados –reservou algumas palavras para a grave situação ambiental em algumas regiões da China, como Pequim, onde a poluição atmosférica alcança frequentemente níveis muito perigosos. Declarou que serão tomadas mais medidas, especialmente, para melhorar a situação nas grandes cidades, como o fechamento neste ano de 50.000 pequenas caldeiras de carvão, a desativação de siderúrgicas e fábricas de cimento, a limpeza das usinas térmicas a carvão e a retirada de circulação de 6 milhões de veículos muito poluentes. “Declararemos guerra contra a poluição e lutaremos com a mesma determinação que lutamos contra a pobreza”, afirmou.
Li assegurou que a China manterá o processo de modernização do Exército e continuará “aumentando as capacidades de dissuasão e combate das Forças Armadas na era da informatização”. O orçamento de defesa para 2014 é de 808,2 bilhões yuans (305,8 bilhões de reais), 12,2% a mais do que em 2013.
O primeiro-ministro criticou duramente a corrupção. “Castigaremos os infratores sem piedade, de acordo com a lei”, advertiu. Também arremeteu contra os excessos e o esbanjamento na Administração e no partido, e pediu aos Governos de todos os níveis “que apertem o cinto”.
Os deputados chineses devem dar o exemplo de austeridade nessa campanha de luta contra o luxo e a extravagância. Fu Ying, porta-voz da Assembleia Nacional Popular, disse na terça-feira que o partido proibiu os parlamentares de realizarem banquetes, trocarem presentes e pedirem “comida, vinho e bebidas caros” durante seus dias de permanência na capital.