Uma das coisas mais raras que existem é uma estatal eficiente. O BNDES já foi assim no passado, mas isso está lá, enterrado no passado. O Ipea teve sua credibilidade, mas isso é coisa do passado também. Se há ainda uma empresa estatal que goza de respeito (não pensem que vou falar da Fiocruz, aquele antro de marxista), essa é a Embrapa.

Suas pesquisas agropecuárias são apontadas como importantes para o salto de produtividade que o país deu no setor. A revista britânica The Economist chegou a reconhecer publicamente isso. É claro que um liberal sempre poderá questionar o custo de oportunidade, ou seja, como estaria o setor sem esses recursos tirados da iniciativa privada e destinados a essas pesquisas da estatal. Mas, ainda assim, trata-se de uma empresa séria e com um quadro de pesquisadores de ótimo nível.

Tratava-se, seria melhor dizer. Uma reportagem de hoje no GLOBO mostra como a Embrapa vem sendo aparelhada pelo PT também, com critérios mais flexíveis na escolha de pessoal. Na mitologia, existe o toque de Midas, onde tudo que o rei colocava a mão virava ouro. O PT parece ter o “toque de Mierdas”: tudo que ele coloca a mão apodrece! Vejam:

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) sempre foi considerada uma ilha de excelência técnica, tanto na condução de pesquisas decisivas para o setor quanto na escolha dos profissionais de carreira que ocupam os cargos de chefia da estatal. O atual momento do órgão vem redesenhando essa impressão. A empresa vive uma fase de aparelhamento e apadrinhamento partidário num de seus setores mais estratégicos, afrouxamento das regras para a escolha dos diretores executivos — com a predominância do critério de indicação política — desmantelamento da capacitação internacional, e forte disputa interna. Além disso, uma investigação em curso apura supostas irregularidades cometidas por sete servidores na criação da Embrapa Internacional, com sede nos EUA.

Documentos obtidos pelo GLOBO mostram que já está definida a extinção da Embrapa Estudos e Capacitação, também chamada de Centro de Estudos Estratégicos e Capacitação em Agricultura Tropical (Cecat), um projeto pessoal do então presidente Lula, inaugurado em maio de 2010.Lula pediu a criação da unidade para capacitar profissionais de outros países que atuam no campo da agropecuária, principalmente nações da África e da América Latina. Um bloco de quatro andares foi construído ao lado da sede da Embrapa em Brasília — os dois prédios estão conectados por um corredor — e os gastos somaram R$ 9,4 milhões.

Militantes do PT viraram chefes de departamentos importantes dentro da empresa. É a politização da Embrapa. O PT parece agir como os cupins, tomando conta do pedaço e estragando sua estrutura. É muito triste ver todo o estrago que o PT tem causado ao Brasil. Como disse Graça Foster sobre a investigação que faria na Petrobras, mas usando agora em contexto verdadeiro: não vai ficar pedra sobre pedra!

Rodrigo Constantino

 

José Wilker: “Essas pessoas representam o que há de pior no caráter nacional”

Esse é um que deixou sua marca e fará falta. Grande ator, diretor, e crítico de cinema, com sua voz inconfundível. Esse pequeno trecho parece ser de uma das últimas entrevistas que deu antes de morrer. Nela, José Wilker diz, sem rodeios, sobre os atuais políticos brasileiros: “Essas pessoas representam o que há de pior no caráter nacional”. Um artista sem medo de ter e dar sua opinião, mesmo que vá contra a maré dos puxa-sacos do governo.

 

R.I.P., Wilker!

Tags: José Wilker

 

Demétrio Magnoli para Mino Carta: “Eu sei o que você escreveu ontem”

Mino Carta

Há certos “jornalistas” que adorariam poder apagar o passado. Como não podem, e como existe a tecnologia dos acervos digitais disponível, resta-lhes tentar controlar a imprensa hoje. Se tudo fosse chapa-branca, então o passado incômodo poderia permanecer oculto nas profundezas da ignorância do público.

Felizmente, ainda não vivemos sob a censura do governo e o conseguinte monopólio da imprensa chapa-branca. Aproveitando-se dessa brecha, dessa lufada de ar da liberdade de imprensa, Demétrio Magnoli resolveu resgatar, em sua coluna de hoje na Folha, alguns trechos assinados por Mino Carta (M.C.) na época do regime militar.

M.C., como sabemos, faz-se hoje de paladino da democracia e acusa suspeitas de “golpe” para todo lado, defendendo com a obediência de um cão o governo – como faziam com o porco Napoleão os temíveis cachorros da Revolução dos Bichos de Orwell. Mas o que Mino Carta pensava e escrevia á época? Algo bem diferente, como mostra Demétrio:

“Propostos como solução natural para recompor a situação turbulenta do Brasil de João Goulart, os militares surgiram como o único antídoto de seguro efeito contra a subversão e a corrupção (…). Mas, assumido o poder, com a relutância de quem cultiva tradições e vocações legalistas, eles tiveram de admitir a sua condição de alternativa única. E, enquanto cuidavam de pôr a casa em ordem, tiveram de começar a preparar o país, a pátria amada, para sair da sua humilhante condição de subdesenvolvido. Perceberam que havia outras tarefas, além do combate à subversão e à corrupção –e pensaram no futuro.” Fofo?

Enquanto Paulo Malhães lançava corpos em rios, M.C. batia bumbo para Médici. A censura não tem culpa: os censores proibiam certos textos, mas nunca obrigaram a escrever algo. Os proprietários da Abril não têm culpa (ou melhor, são culpados apenas pela seleção do diretor de Redação): segundo depoimento (nesse caso, insuspeito) de um antigo editor da revista e admirador do chefe, hoje convertido, como ele, ao lulismo, Carta dispunha de tal autonomia que os Civita só ficavam sabendo do conteúdo da “Veja” depois de completada a impressão.

Alguns “jornalistas” parecem sempre girar em torno do poder, como moscas em volta do mel. Atualmente, a revista de Mino Carta tem tentado (há pouca audiência) bater o bumbo em defesa do governo e de suas bandeiras mais autoritárias, como o próprio controle da mídia. Para fazer coro às acusações de que toda crítica ao PT não passa de anseio golpista da “elite”, Mino Carta precisa adotar a tática da camuflagem e fingir que não existia nas décadas de 1960 e 1970.

Já mostrei aqui a hipocrisia e o duplo padrão adotados por Mino Carta e sua equipe em outros casos, como na questão das cotas raciais. É o velho “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. São pessoas assim que mancham a imagem do jornalismo brasileiro. Em vez de correr atrás de notícias e dar opiniões sinceras, há apenas proselitismo e partidarismo da pior espécie.

Com tudo isso em mente, paira apenas uma pergunta no ar: quem é que ainda leva a sério Mino Carta e sua revista?

Rodrigo Constantino

 

O mundo assombrado de Rui Falcão

Fonte: Folha

No mundo de Rui Falcão, o PT é assombrado por uma imprensa contrária aos lindos feitos de seu partido no governo. O presidente do PT esquece o alerta feito por Huxley: os fatos não deixam de existir só porque são ignorados. Mas para Rui Falcão as coisas não deveriam ser assim. Se ao menos os fatos pudessem ser ignorados por uma imprensa mais subserviente…

Em entrevista à Folha hoje, Falcão afirma que as pesquisas eleitorais recentes não chegam a preocupar muito o partido, pois mesmo com tsunami contra o governo, Dilma ainda lidera com folga e os demais não grudaram nela. Ou seja, a imprensa é que teria, pela bizarra ótica do petista, criado a maré de ataques ao governo. Imprensa poderosa essa, que faz até com que uma agência de risco americana reduza a nota do Brasil! Diz ele:

O rebaixamento da nota [de classificação de risco do Brasil] é uma notícia negativa. A divulgação das expectativas de inflação pelo boletim Focus [feito pelo Banco Central com avaliações do mercado] e pelos analistas econômicos, de que a inflação pode crescer até setembro, para depois começar a declinar. Você pega os episódios da Petrobras, apesar de ser uma campanha contra a empresa. E, por último, essas denúncias, não comprovadas, envolvendo um deputado do PT [André Vargas] em particular. Houve um verdadeiro tsunami contra o governo e, mesmo assim, ela continua liderando, os adversários não cresceram e a confiança de mudança está do nosso lado.

Eu poderia jurar que tudo isso ocorreu de verdade, e o papel da imprensa foi apenas expor os fatos. O Brasil foi rebaixado, e isso se deve aos erros do governo Dilma. A inflação está muito alta, machucando a população, e isso novamente é resultado dos erros do governo. A Petrobras está imersa em vários escândalos sérios, como a suspeita compra da refinaria americana, e isso é conseqüência dos erros do governo. O deputado André Vargas se complicou todo ao ter sua relação estranha com o doleiro Youssef exposta.

Ou seja, o “tsunami” contra o governo foi produzido pelo próprio governo. Que, aliás, produz escândalos em velocidade maior do que a população consegue memorizar e os jornalistas acompanhar. Agora, chamar os escândalos da Petrobras de “campanha contra a empresa” é o ápice da cara de pau. A não ser, claro, que Rui Falcão esteja se referindo ao que os próprios petistas têm feito contra a estatal, isso sim, uma campanha e tanto de destruição da maior empresa do país.

Falcão ainda aproveitou para fazer um malabarismo incrível na entrevista: as pesquisas mostram que a maioria da população deseja mudanças, mas o presidente do PT garante que isso é sinônimo de que querem mais PT, pois o PT é grande instrumento dessas mudanças. Entenderam? O povo está insatisfeito com o governo e quer mudanças, e isso é prova de que o povo quer o PT liderando tais mudanças.

Sobrou ainda uma ameaça à presidente Dilma na entrevista, um alerta de que sua candidatura é condicional à permanência no topo das pesquisas:

Mas a candidata continua liderando, continua ganhando no primeiro turno, por que você vai mudar? Existe [o coro do ‘volta, Lula’], as pessoas falam, o Lula é uma pessoa muito querida, mas a Dilma também é. Ambos são. […] Se o Aécio e o Eduardo Campos estivessem grudando nela, tivessem crescido e ela caído, você poderia até achar que existe algum risco. Mas isso não ocorreu.

Ou seja, Dilma é a candidata do PT apenas se seguir distante de Aécio e Campos. Se um deles começar a “grudar” nela nas pesquisas, então Lula volta. Mas Falcão acha que não será preciso isso, pois Dilma poderá mostrar seus feitos positivos (?) na televisão e manter a liderança:

O que o governo tem de fazer para estancar essa queda e voltar a crescer?
A continuidade das ações do governo, a aprovação do Marco Civil da Internet.

Calafrios! Quer dizer então que a aprovação do Marco Civil da Internet é algo crucial para estancar a queda de Dilma nas pesquisas? Um cínico poderia até suspeitar de que isso se daria pelo controle da internet, e não pela grande aprovação popular a essa medida…

Por fim, Rui Falcão nega o óbvio, o fato de que a reação positiva dos mercados está totalmente atrelada à queda de Dilma nas pesquisas eleitorais:

Os próprios analistas dizem que, quando Dilma cai, a Bolsa sobe, o dólar recua.
O mercado não varia assim. Você tem de pegar as outras variáveis econômicas, quanto está entrando de investimentos, quais são as taxas de juros, a instabilidade do mercado mundial, a segurança da economia brasileira, temos grandes reservas internacionais. O mercado não varia por causa de oscilação de pesquisa. Pela lógica de vocês, isso deveria valorizar a oposição, o Aécio e o Eduardo, eles deveriam ter crescido.

O que Rui Falcão entende sobre o mercado? As ações da Petrobras dispararam justamente quando Dilma caiu nas pesquisas. As estatais subiram mais do que o restante exatamente porque a alta da bolsa está 100% ligada às pesquisas, à chance maior de derrota de Dilma nas eleições.

É claro que o mercado varia por causa de oscilação de pesquisa, deputado! Ao contrário dos mais alienados, os investidores sabem muito bem o enorme risco que uma reeleição de Dilma representaria para o futuro do Brasil, colocando em xeque todas as conquistas positivas da era FHC, inclusive a derrota da hiperinflação.

Concluindo, no mundo assombrado de Rui Falcão, a imprensa livre é o fantasma que preocupa com os fatos que expõe; já no mundo dos investidores e pessoas mais esclarecidas, o fantasma é o próprio PT liderado por Rui Falcão, que pretende destruir a liberdade de imprensa para controlar a exposição dos fatos incômodos.

Rodrigo Constantino

 

Um governo “criativo” demais e honesto de menos

João Santana, marqueteiro de Dilma, soprando o que deve ser dito para ludibriar os eleitores

Em sua coluna de hoje na Folha, Aécio Neves utiliza três exemplos para mostrar como o governo de Dilma tem sido pautado pela propaganda partidária, não pela honestidade. O caso recente do Ipea representa apenas mais um exemplo entre tantos. Um erro, uma “fatalidade”, como diz o presidente da instituição, mas que foi logo utilizado pela presidente para tirar uma casquinha eleitoral em cima da reação do público. Há compromisso apenas com as urnas, não com a verdade.

Os três exemplos que Aécio cita: o PAC, que passou a incorporar obras rotineiras como se fossem novidades anunciadas pelo governo, não entregou o que foi prometido antes e já partiu para uma segunda etapa, e depois uma terceira, sempre na véspera de eleições, com números inflados; uma campanha pelo fim da miséria que foi usada, com o mesmo slogan, pelo governo e pelo PT, como se fossem uma só coisa; e a diferente medida de extrema pobreza em relação ao que a ONU recomenda, para fingir que 16 milhões de pessoas, que pelo conceito da ONU teriam voltado à extrema pobreza, continuam fora dela graças aos programas do governo.

Em suma, trata-se de um governo cujo Primeiro-Ministro passa a ser o marqueteiro, João Santana, onde todas as medidas são voltadas para a conquista de eleitores, não de resultados concretos. Como as novas pesquisas eleitoras demonstram, porém, cada vez menos gente cai no golpe. Aécio Neves conclui:

No país do PT, a Petrobras vai muito bem, o PAC impulsiona o desenvolvimento nacional, o governo respeita os limites entre o interesse público e o partidário. E, o mais importante, acabou com a pobreza absoluta no Brasil. “Criatividade” tem limite. E desrespeito também.

Rodrigo Constantino

 

Em defesa da austeridade fiscal

A austeridade fiscal virou palavrão para boa parte da esquerda (basta digitar a palavra no Google para ver), no Brasil e no mundo. Aquilo que qualquer empresário ou dona de casa sabe, que não é possível gastar mais do que se ganha, torna-se irrelevante ou mesmo negativo quando se trata do governo.

Por algum estranho motivo, os esquerdistas pensam que os recursos públicos nascem em árvores ou caem do céu, e que se o governo gastar mais, puxa a economia como um todo.

Ignora-se que para gastar, antes é preciso tirar os recursos do setor privado. Coloca-se a carroça na frente dos bois, acreditando-se que são os gastos públicos que estimulam a demanda agregada que, por sua vez, leva ao aumento dos investimentos. A esquerda pensa ter descoberto a máquina de crescimento perpétuo, de moto contínuo, onde basta sair gastando que tudo será maravilhoso.

Essa era a crença dos socialistas franceses que elegeram Hollande. A dura realidade das leis econômicas bate, agora, à porta do governo, que precisa mudar radicalmente o rumo, engolir gestores e bandeiras mais liberais, anunciar corte de gastos e reformas liberalizantes. Esse foi o tema da coluna de hoje de Henrique Meirelles na Folha. Diz o ex-presidente do Banco Central do governo Lula:

Expansão de gasto público, num primeiro momento, traz grande aprovação entre os beneficiados. E não há dúvida de que a injeção de recurso público eleva o consumo e a atividade econômica.

Mas o aumento da despesa pública tem limitações importantes. Quando o consumo cresce mais do que a oferta (produção), esse gasto pressiona a inflação, como vemos no Brasil. E se a arrecadação não acompanha o crescimento das despesas, o endividamento do Estado aumenta, o que reduz o crescimento com o passar do tempo.

A partir de certos patamares, o custo da dívida pública cresce, o que faz o Estado sugar uma parcela cada vez maior da poupança do país para financiá-la. Isso compromete o consumo e os investimentos e ainda cria incerteza sobre a capacidade do Estado de se financiar e investir.

De forma bem resumida, Meirelles explica o funcionamento econômico após a elevação dos gastos públicos, mostrando por que esse é um mecanismo insustentável de estímulo ao crescimento. O estado precisa se financiar. Ou ele faz isso aumentando os impostos (que já são absurdamente altos na França, e também no Brasil), ou com inflação, ou finalmente com mais dívida.

Nada disso é livre de custos. Ao contrário: costuma custar muito caro sempre, até porque a alocação desses recursos que o governo retira da iniciativa privada costuma ter critérios políticos em vez de econômicos, sofrer pressão eleitoral, desvios e corrupção, etc.

Austeridade, como podemos ver, não deveria ser palavrão, mas política de governo em qualquer partido sério que coloca os interesses do povo acima dos seus. Meirelles conclui:

É por isso que outros países europeus, referendados pelos eleitores, preferiram a austeridade, como Alemanha, Espanha, Portugal e Irlanda.

Esses países conjugaram austeridade fiscal com o que de fato são políticas de crescimento, isto é, políticas que aumentem a produtividade, como redução da burocracia e da complexidade fiscal, incentivos ao investimento e reformas trabalhistas para baratear a produção.

A nação francesa, agora, parece buscar esse caminho, apesar da forte oposição ideológica de setores do Partido Socialista.

Para nós, no Brasil, a observação desse cenário europeu é de extrema utilidade.

Rodrigo Constantino

 

 

Um ano da morte de Thatcher: uma justa homenagem a esta que foi a maior estadista que o mundo já teve

Amanhã, dia 8 de abri de 2014, completa-se um ano da morte de Margaret Thatcher. Ela foi a maior estadista que o mundo já teve, uma guerreira da liberdade, que deixou sua marca e combateu, como poucos, a ameaça socialista. Como estarei participando do Fórum da Liberdade como palestrante nessa terça, não terei tempo de atualizar o blog. Já adianto, então, minha justa homenagem a esta gigante da política internacional, com uma resenha da pequena biografia de Niall Ferguson e uma palestra sobre seu legado:

Thatcher: a prova de que indivíduos fazem a diferença

Em um livro extremamente conciso, o historiador econômico Niall Ferguson fez um ótimo resumo da trajetória e da importância de Margaret Thatcher para o Reino Unido e o mundo. Ler Always Right (por US$ 2,66) é tarefa de apenas uma hora, e o investimento tem alto retorno. Serve para manter acesa a chama da esperança.

Afinal, os historiadores modernos tendem a negligenciar a importância de atos individuais no curso da história, mas eles fazem toda a diferença, como reconhece Ferguson. Muitos esquecem como estava a Inglaterra naquela época. A inflação chegou a quase 30% em 1975, o clima era de desesperança, os britânicos flertavam com o socialismo e as greves eram diárias, enquanto os serviços públicos simplesmente não funcionavam.

Thatcher surgiu em cena alegando categoricamente que seu trabalho era impedir que o Reino Unido virasse vermelho. Seu discurso era agressivo contra o status quo, não uma contemporização moderada e em cima do muro. Rejeitava clara e abertamente o modelo de estado paternalista e centralizador, que ditava os rumos da economia e da vida dos cidadãos.

Cada um deveria ter o direito de trabalhar com o que quisesse para se sustentar, gastar seu salário como lhe aprouvesse, ter sua propriedade garantida e protegida. O estado passaria a ser visto como o servidor do público, e não seu mestre. Eis a essência de uma economia livre. E era nisso que Thatcher dizia acreditar sem rodeios.

Sua retórica era quase escatológica: “Não existe alternativa”. Foi o que declarou em 1980. Ou os britânicos mudavam radicalmente a direção, ou afundariam. Havia resistência a esse “radicalismo” mesmo em seu partido, mas Thatcher deixou claro para os colegas Tories: “Vocês mudem o curso se desejarem, mas essa senhora não é de mudar o curso”. Ela sabia o que devia ser feito, e estava disposta a fazê-lo, mesmo pagando o preço.

O pano de fundo ideológico foi importante para suas mudanças. O Institute of Economic Affairs, criado em 1955, foi fundamental para divulgar os valores da economia de mercado, e seus líderes tiveram papel importante na formação econômica da própria Thatcher.

O papel da imprensa também foi importante. Os proprietários e editores de jornais, como Rupert Murdoch e Conrad Black, ou Charles Moore da Spectator, tiveram coragem de bancar as reformas necessárias mesmo contra a oposição organizada da esquerda reacionária que temia perder privilégios. Foram soldados importantes na batalha liderada por Thatcher.

Uma revolução capitalista ocorreu no país. Uma onda de privatizações permitiu incrível melhoria nos serviços, os ativos se valorizaram e o próprio povo se beneficiou disso como acionista, a inflação foi derrotada e a classe média se fortaleceu muito. Sacrifícios foram necessários no curto prazo, mas valeram muito a pena. O Reino Unido voltava ao posto de líder da Europa, após grande decadência.

Mas a economia está longe de ter sido a única fonte de revolução do Thatcherismo. Os trabalhistas, na época, defendiam o desarmamento nuclear unilateral da Inglaterra, o que poderia ter sido fatal ao país. Thatcher não iria amolecer com os comunistas, e é preciso lembrar que ainda se vivia na Guerra Fria, sem expectativa de término iminente.

A postura de Thatcher nos assuntos externos era realista e firme. Foi assim nas Falklands com a Argentina, mesmo quando até Reagan parecia não dar apoio; foi assim na questão do IRA na Irlanda; na permissão a Bush (pai) para usar as bases militares inglesas contra o Iraque; ou mesmo na percepção de que, com Gorbachov, havia a possibilidade de diálogo. Intransigente e pragmática na medida certa.

A mudança cultural também foi relevante. A famosa frase “não existe sociedade, apenas indivíduos” precisa ser colocada em contexto. Thatcher defendia a ajuda ao próximo, a preocupação com o entorno, mas rejeitava veementemente a dependência estatal, ou seja, mecanismos de incentivo inadequados que premiavam o “parasita” em vez do trabalhador. O “estado-babá” não teria mais vez com ela.

Em suma, como resume Ferguson, Thatcher estava certa sobre as principais coisas importantes. Sobre as máfias sindicais, sobre a inflação como fenômeno monetário, sobre as indústrias nacionalizadas como obstáculo ao progresso, sobre a ingenuidade dos trabalhistas na questão da Guerra Fria, sobre a importância da integração comercial na Europa, sobre a oposição à moeda comum etc.

Foi uma grande líder, e seu legado é altamente positivo. Fez enorme diferença no curso da história. Ela simplesmente não tolerava a ideia de ver a Inglaterra fracassar, declinar rumo ao socialismo. Sua coragem, convicção moral e sabedoria de estadista permitiram que isso não acontecesse, apesar de muitos enxergarem tal destino trágico como inevitável na época.

É ou não é uma lição importantíssima para o mundo moderno em geral e os brasileiros em particular?

Palestra proferida para os membros do IFL/SP:

 

Tags: Niall FergusonThatcher

 

Aprendendo a ser humano: uma educação liberal

Em The Voice of Liberal Learning, estão reunidos ensaios de Michael Oakeshott sobre a educação. Num deles, escrito em 1975, o filósofo explica o que entende por educação liberal, ou seja, aquela que “liberta” o homem. Sendo um ser auto-consciente, o ser humano pode e deve usar sua condição para buscar também o auto-conhecimento. Mas essa é uma tarefa que exige esforço e volição.

A possibilidade de se tornar mais sábio engloba o risco de ser estúpido. Se fosse algo determinado por forças exógenas, então não haveria tal risco. Mas o homem é responsável por seus pensamentos e ações, ele não pode alegar que as palavras que saem de sua boca foram lá colocadas por um deus qualquer ou que são apenas descargas elétricas de seu cérebro. Elas possuem significado, pelo qual ele é o responsável e deve ser julgado em termos se faz ou não sentido.

Essa liberdade de pensamento é inerente à condição humana, e não é possível escapar dela. Seu preço é justamente a responsabilidade – habilidade de resposta – sempre individual. A própria contemplação de tal fuga do raciocínio denuncia uma impossibilidade: apenas a mente pode se arrepender de pensar. Eximir-se do pensamento crítico, portanto, acaba sendo também uma escolha, por mais covarde que seja.

O que distingue um ser humano, o que constitui um ser humano, não é apenas sua necessidade de usar a própria mente; mas seus pensamentos, crenças, dúvidas, entendimentos, sua compreensão da própria ignorância, seus desejos, preferências, escolhas, sentimentos, emoções, propósitos, e a condição necessária para tudo isso é que ele deve aprender tais coisas. O preço da atividade inteligente que define o ser humano é aprender, uma vez que não nascemos com um programa pronto e determinado.

O aprendizado que Oakeshott fala não é aquele automático, típico dos organismos biológicos se adaptando às circunstâncias. É um que demanda um engajamento auto-consciente, não uma reação ao ambiente, mas um objetivo auto-imposto inspirado pela noção da própria ignorância e pelo desejo de compreender. O aprendizado humano não é adquirir hábitos ou desempenhar funções como um autômato, mas adquirir algo que pode ser usado porque o compreendemos.

A vida humana seria, então, como uma aventura na qual o indivíduo conscientemente confronta-se com o mundo em que habita, respondendo a um chamado pela própria consciência. Um ser humano é uma “história” e faz essa “história” para ele mesmo com suas respostas às vicissitudes que encontra pelo caminho. Ele está “condenado” a aprender pois os significados precisam ser aprendidos, não se encontram prontos e disponíveis. O aprendizado para o ser humano, portanto, é uma empreitada de uma vida inteira, e o mundo que ele habita é o local para tal aprendizado.

Eis, então, o que nos interessa, segundo Oakeshott: aventuras no auto-conhecimento humano. Uma educação “liberal” seria aquela que levaria a tais questionamentos profundos, liberando o ser humano da distração de satisfações de demandas mais imediatas. O auto-conhecimento humano, portanto, é inseparável do aprendizado da participação naquilo que chamamos “cultura”.

Uma cultura, afinal, é a continuidade de sentimentos, percepções, ideias, atitudes, empurrando em diferentes direções, muitas vezes críticas e relacionadas umas às outras, de forma a compor não uma doutrina, mas o que Oakeshott chamou de um “encontro de conversação”. Trata-se de aprender a reconhecer alguns convites específicos para encontrar aventuras particulares no auto-conhecimento humano.

Essa é uma educação que promete e permite a libertação do aqui e agora dos acontecimentos corriqueiros, uma fuga da confusão, da crueza, do sentimentalismo, da pobreza intelectual e do atoleiro emocional da vida ordinária. O aprendizado liberal seria aprender a responder a esses convites de grandes aventuras intelectuais nas quais os seres humanos têm exibido as diversas compreensões do mundo e de si mesmos.

Para Oakeshott, a cultura não é uma miscelânea de crenças e percepções, ideias e sentimentos, mas uma variedade de línguas distintas de aprendizado, que convidam o ser humano a se familiarizar com elas, aprender a discriminar entre elas, reconhecê-las não apenas como formas diferentes de aprendizado sobre o mundo, mas como as expressões mais substanciais que temos do auto-conhecimento humano.

Talvez possamos pensar nos componentes da cultura como vozes, cada uma a expressão distinta de uma compreensão do mundo, um idioma distinto do auto-conhecimento humano, e a própria cultura seria a união dessas vozes em uma conversação. E o aprendizado liberal seria, acima de tudo, uma educação na imaginação, uma iniciação na arte dessa conversação na qual aprendemos a reconhecer as vozes, distinguir seus diferentes modos de expressão.

Um convite, em suma, para que cada um possa se distanciar do aqui e agora, dos acontecimentos correntes, descolando-se das urgências do local e do contemporâneo. Um convite a se preocupar não com o uso daquilo que é familiar, mas com a compreensão daquilo que ainda não é compreendido. Em um mundo cada vez mais corrido, com excesso de distrações e estímulos triviais, seria um convite à reflexão do que não é instantâneo e efêmero, do que não é apenas modismo.

No mundo onde a linguagem predominante parece ser a do apetite apenas, a educação liberal seria justamente aquela que eleva o ser humano a um patamar superior, acima da repetição de slogans e “pontos de vista” incessantes, dos convites a reações automáticas que enchem nossos ouvidos como uma Torre de Babel sem sentido. A busca da compreensão humana é atemporal, não sucumbe a essa pressão momentânea. Oakeshott nos lembra quem somos: habitantes em um lugar de aprendizado liberal.

Rodrigo Constantino

Fonte: Blog Rodrigo Constantino (VEJA)

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