Para se ter uma visão mais panorâmica das graves formas de exploração em que se ver envolvido o lavrador rural no pólo de São João do Carú consideramos brevemente a história da ocupação desta região especialmente apartir de 1950. À medida que identificarmos os motivos desta ocupação e as formas de relações econômicas que foram se estabelecendo, bem como as conseqüências delas resultantes, compreender-se-á de uma visão de conjuntura, que as condições de vida da população local, resultam principalmente de processos histórico que por serem dinâmico podem ser redirecionados pela ação de homens conscientes.

O município de São João do Carú foi desmembrado e emancipado do município de Bom Jardim em 11/11/1996 durante o governo de Salomão Fiquene, teve como primeiro prefeito o senhor James Ribeiro de Sousa.

Está situado no noroeste maranhense integrando a mesorregião do Gurupí e Pindaré; Seu território é caracterizado pela presença de florestas equatoriais amazônica nas áreas não afetadas pelo homem e capoeira e pastagens nas regiões onde se pratica a agricultura e a pecuária. Seu relevo é marcado por formações íngremes, sobretudo onde predominam as montanhas das Serras da Desordem e do Tiracambú das quais nascem os rios Carú e Turizinho, afluente e subafluentes do rio Pindaré respectivamente. Sua população é constituída em sua maioria de indivíduos oriundos do campesinato nordestino, os quais viam nas terras “devolutas” da Pré-Amazonia maranhense a oportunidade de terem seu próprio pedaço de chão, onde se pudesse plantar e não pagar aforamento.

É certo que durante todo o século vinte observou-se um movimento migratório a partir do Nordeste para varias regiões do Brasil. Raquel de Queirós já dava noticias dele em seu romance “O Quinze”; também o fez João Cabral de Melo e Neto em sua obra “Morte e vida Severina”. Mas foi durante as décadas de cinqüenta e setenta que este fenômeno mais se acentuou em direção as terras do Meio – Norte , brasileiro. Entre os motivos apresentados para isso pode-se alistar:

Falta de apoio técnico e financeiro ao pequeno agricultor para lidar com os problemas criados por sucessivas secas;
Estruturas fundiárias baseadas na concentração de enormes parcelas de terras nas mãos de uma minoria, enquanto a maioria da população permanecia sem terra, se obrigando com isso e emigrar em busca de terras livres.
Os autos preços dos aforamentos cobrados por quem cedia um pedaço de chão ao lavrador, para que este botasse roça.
Conflitos fundiários entre posseiros e fazendeiros ou grileiros pela posse das terras do Estado ou da União.
Planos desenvolvimentistas criados pelo governo do Estado e do Distrito Federal em conexão com os interesses internacionais e que consistiram na mobilização de grande contingente de trabalhadores para as áreas onde os grandes projetos seriam implantados.

Com base em depoimentos dos próprios lavradores, os pesquisadores esclarecem que a ocupação do que hoje é o município de São João do Carú e seus adjacentes, ocorreu segundo as seguintes etapas:

1ª Etapa – pequenos produtores sem terra, posseiros, (Usufrutuários, ocupante de terra porém sem o titulo definitivo) etc…abandonam Pernambuco, Ceará e Piauí e , penetram no Maranhão através das cidades de Floriano e Teresina, vindo fixa-se temporariamente nas cidades de Caxias, Vargem Grande, Barra do Corda e Codó.

2ª etapa – Os Camponeses partem das cidades acima, basicamente pelos mesmos motivos da primeira emigração e , se juntam a outras levas de imigrantes diretamente provenientes do Ceará e Piauí ao ocuparem os Vales do Mearim, Grajaú, e Pindaré, como seguem:

1940- se estabelecem em Pedreiras
1950- se encontram em Bacabal
1957- fazem crescer o então povoado Santa Inês, já no Vale do Pindaré
1959- formam Bom Jardim
1960- fundam Chapéu de Couro, hoje Newton Bello e Zé Doca
1961- atingem as margens do Rio Turiaçú rumo ao Pará.

Corroborou para o adentramento das matas maranhense, a antiga linha do telégrafo, os piquetes da Petrobrás e mais tarde a abertura das BR 316,222 (1968-1972)e do corredor Carajás (1978), construídos para viabilizar a canalização das riquezas amazônicas ao mercado nacional e internacional.

Na década de 60, esta denominada frente agrícola ramificou-se em várias direções. Além daquele que avançava ao Pará, outros ramos subiram os rios Pindaré, Carú e Turizinho. Em 2003 já era possível observar que os lavradores haviam deixado as margens dos rios e através dos igarapés e veredas na mata penetraram além dos limites da área também reivindicada pelos índios Awá Guajá.
Esta ocupação foi marcada por conflitos entre “Brancos” e índios. Embora a presença indígena na região seja centenário, a demarcação da reserva Guajajaras (1974) Awá (2002), passou a ser visto pelos lavradores como desperdiço de ”Mato Bom de Roça”. Também têm acontecido conflitos entre posseiros e grileiros uma vez que nem sempre os variantes abertos nas matas pelos últimos são respeitados pelos primeiros.

Para proteger seus interesses os lavradores se organizavam para fazerem ocupação coletiva – tão logo encontravam o “Lugar de Mato Bom de Roça” (Na mata as primeiras roças queimam bem e por darem poucas ervas daninhas, diminuem o trabalho do lavrador), iniciavam a derrubada para o plantio do arroz, milho, feijão, e mandioca. Apesar de empregarem técnicas rudimentares de cultivo, a região tornou-se até à década de 80, uma das maiores produtoras de arroz do Maranhão. Após as primeiras colheitas, as capoeiras (lugar onde o mato voltou a crescer após a colheita) eram abandonadas ou comercializadas ou convertidas em pastagens para a pecuária doméstica.

A compra, a apropriação, a grilagem das capoeiras e outras terras fez despontar no cenário, quatro categorias sociais, além dos usufrutuários ( posseiros, ocupantes)

Pequenos proprietário (minifundistas): tem uma pequena área de terra como propriedade.
Latifundiário: dono de grandes áreas de terras.
Parceleiros, Camponeses que não tem terras por propriedades e que cultivam as terras de outrem, pagando-lhe por isso uma renda em espécie.
Camponeses sem terra: estes não têm contrato de parceria ou de arrendamento, não tem terra próprio, mas vive de prestação de serviço a um proprietário, por um salário em dinheiro, sem as garantias previstas na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).

Por outro lado a abdicação das capoeiras por parte dos lavradores tem sido um dos fatores de desintegração e ou deslocamento dos centros – (povoados), já que tendo abandonado ou vendido seu “lugar de trabalho” esse tende a procurar um outro local, geralmente nas matas do Estado e da União. Essa prática é favorecida pela expropriação (processo mediante o qual o lavrador perde a posse de seus bens e produtos) dos produtos agrícolas dos camponeses e a conseqüente impossibilidade, no caso maioria, de acumular quaisquer excedentes que poderiam ser convertidos em insumos – fertilizantes, sementes selecionadas etc..sem os quais fica difícil o cultivo fixo das chamadas “terras cansadas”.

Por sua vez tal expropriação tem sido possibilitada pela instalação, desde o inicio da ocupação, de barracas, farmácias e usinas de beneficiamento, nos centros e povoados. Estes empreendimentos integram uma “rede” que inclui tropeiros e lancheiros e que através dos entrepostos regionais liga –se ao mercado nacional, viabilizando o intercambio comercial entre os centros e as metrópoles. Tal intercâmbio obedecendo à lei da oferta e da procura, somado ao esquema de apropriação das capoeiras e à falta de subsidio técnico e financeiro ao pequeno lavrador rural tem contribuído para a existência das formas de exploração a seguir.

Formas de exploração

Murilo Santos e Conceição Raposo realizaram estudo científicos, nas adjacências da ferrovia Carajás e no pólo de São do Carú, envolvendo as condições de vida e perspectivas futuras do lavrador rural desta região. Tais pesquisadores independentes observaram em tempos diferentes pelo menos quatro graves formas de exploração a que o lavrador rural especialmente do que hoje é o município de São João do Carú está submetido. Mas recentemente outro pesquisador em viagem para o supracitado município observou que as formas detectadas pelos estudiosos ainda persistem e tendem a se agravarem.

Destas destacaremos aqui três:

1.Exploração envolvendo a comercialização do arroz.

Esta pode ser assim resumido: Em fins do verão o lavrador faz a derrubada do mato e o queima para o plantio. Se a roça queimou bem o lavrador tem a facilidade ao crédito junto aos comerciantes, que lhe vendem fiado o sabão, o açúcar, o café, o óleo, o querosene, etc. A mercadoria comprada no preço de verão será paga no preço de inverno com arroz.

Ocorre que no inverno a mercadoria oriunda da cidade dobra às vezes de preço, enquanto o arroz nesse mesmo período, época de safra, perde a metade do preço. O lavrador terá que vender mais arroz para pagar menos mercadoria. Além disso o lavrador é obrigado a pagar o transporte para o tropeiro, o lancheiro, etc… e não obstante a pagar a pesagem do arroz se usar a balança de outrem.

Acontece muitas vezes do lavrador vender toda a produção para pagar suas dívidas e não conseguir saudá-las. Depois de vender todo seu arroz pelo baixo preço de inverno, então passa a comprar do comerciante o arroz que vendeu, porém agora mais caro. Pois passando da safra o arroz tendo saído das mãos do lavrador para as do comerciante dobra de preço.

O resultado de tudo isso para o lavrador é o seu contínuo endividamento, desmoralizando aos olhos dos comerciantes credores, racionalização dos itens alimentícios comprados para a família e a conseqüente subnutrição desta. Este último agravante tende ser uma das causas do mau desempenho escolar entre alunos de todos as séries.

2.Exploração envolvendo comercialização das capoeiras. Está forma de exploração pode ser descrita resumidamente da seguinte maneira:

À medida que lavradores integrantes da “frente de colonização’’e oriundos de diferentes partes do Ceará, Piauí e Maranhão, fugindo da exploração meeira, da perseguição grileira, do desemprego, etc… avançam para o interior das floretas maranhenses, são seguidos e às vezes até acossados por fazendeiros interessados em ampliar suas terras. Estes quando não tomam as capoeiras dos lavradores, propõem a compra destas por preços irrisórios. O lavrador não dispondo de apoio técnico financeiro para o trabalho nas “terras cansadas” se obriga a vendê-las. Assim, os fazendeiros conseguem economizar a custa do lavrador o que gastariam para desbravar florestas virgens. Em conseqüência muitos lavradores se embrenham nas matas dificultando ainda mais à sua família o acesso à escola e ao tratamento médico. Além disso, uma vez que atualmente com a demarcação da reserva indígena Awá, as fronteiras das matas estão sendo vigiadas, é provável que em sua pretensão de encontrar terras férteis o lavrador posseiro ignore os marcos divisórios da FUNAI iniciando novos conflitos com a policia Federal e os índios. Já em julho de 2003 o Sr. Zé Pé Dê Tê, naquela época, presidente do Sindicado dos Lavradores Rurais de São João do Carú, informou, que pólos de resistência a decisão da justiça estavam sendo formados pelos lavradores nos povoados de Caju, Cobal, Centro do Piauí, Vila Veras, Centro de Pedrosa, Cabeça Fria, Fazenda Betel, Centro do Doutor, Centro do Negro Dourado, Novo Projeto e Centro do pegado, todos próximo ou dentro da área, e cujos lavradores cultivam suas roças na reserva em questão.

3.Exploração rendeira.
Esta forma de exploração consiste no pagamento de três alqueires de arroz por linha, pelo lavrador sem terra, a quem lhe deu “um pedaço de mato” (capoeira etc..), para plantar não como propriedade. Isso é bastante grave haja vista que de acordo com os depoimentos dos lavradores da região, a produção média de uma linha de terra varia entre 15 (quinze) a 20 (vinte) alqueires de arroz, o que faz com que a renda paga ao proprietário da terra corresponde a 20% (vinte por cento) de produção do rendeiro. A exploração rendeira tende a aumentar quali e quantitativamente, com o fechamento da fronteira agrícola pela demarcação da reserva indígena Awá em 2002. Ao que se ver as formas de exploração respondem pelas péssimas condições de vida do lavrador rural – afastamento da escola, do acesso aos posto de saúde, nutrição insuficiente, moradias precárias, etc… Está também na base dos conflitos fundiários que aumentam a tensão social na região tendendo a colocá-la no centro das preocupações do Governo Federal.

Agora em 2013 depois que o Juiz Federal José Carlos Vale Madeira determinou a “desintrusão” da área, autorizando a derrubada das casas, cercas e paredes de açudes que forem encontrados, avolumou-se o receio da população carente de que a desocupação é iminente e sem qualquer indenização e ou plano de inclusão produtiva que lhes pareça viável ou alternativo. As opiniões entre os lavradores, agora representados por filhos e netos daqueles imigrantes nordestinos variam, bem como a historia recém construída por cada um deles. Há aqueles cujos filhos já abandonam a roça e emigram para os garimpos da Guiana e Suriname ou vão para o Mato Grosso onde passam a trabalhar como bóia fria. Existem os que ficam na esperança de terem reparado todo o investimento suado, preste a se perder com a “chegada da Federal” e, há os que cogitam um acordo conciliatório com a FUNAI no sentido de ficarem onde estão, zelando para que o desmatamento não avance.

O perfil econômico e cultural também já difere de família para família – havendo os que superam a condição de exploração – (A posse de um boi, um jumento, a ida e vinda do garimpo com algum dinheiro foi determinante em muitos casos) estes ao acumularem alguns dividendos entram em contato com as instituições credoras – (Bancos, INCRA, etc.) onde passam a familiarizar-se com leis, direitos e deveres, tornando-se assim as maiores culturas dos povoados, aptos a conscientizar e representar os menos afortunados que a eles recorrem como se recorre a uma arvore em busca de sombra. Tal condição às vezes leva á má impressão de que esses são manipuladores das massas pobres. A grande maioria porem continua pobre com perfil Bolsa Família e analfabeta, e não há dúvida de que em alguns casos isolados no passado houve mega investidores de outras origens e metas que os usaram como massa de manobra, contra os interesses dos índios, embora nem todos os que hoje ocupam a área reivindicada pelos anãs tenham entrado sob instigação de mega investidores. A notícia de que ainda havia pendências jurídicas, a falta de sentinelas da FUNAI com presença na área, as medidas históricas de recuo de fronteiras da Reserva Biológica do Gurupi podem ter se somado aos motivos sociais e econômicos já abordados, favorecendo a adentrada na reserva, mesmo depois de 2003.

À luz do que foi exposto fica claro que os ocupantes da área hoje reivindicada pelos Awás constituem um grupo heterogêneo com os seguintes perfis:

Pobres com perfil Bolsa Família – Geralmente analfabetos constituem a grande maioria;
Pequenos Fazendeiros – Também descendentes de emigrantes nordestinos que superaram a condição de explorados. Alguns têm terras dentro e fora da área em questão, outros têm terra somente na área;
Mega investidores – Uma minoria, geralmente com outras origens sociais, oriundos do Sul, atingem a área vindo de Paragominas, em alguns casos se utilizaram da mão de obra escrava e exploravam massivamente a madeira até 2011 quando a vigilância aumentou.

Bibliografia

PEREIRA, Osvaldo Filho. A EXPLORAÇÃO SOFRIDA PELO LAVRADOR RURAL NO PÓLO DE SÃO JOÃO DO CARU: A necessidade de problematização nas salas de aula de 5ª a 8ª séries das Escolas Públicas Municipais desse Município. / Osvaldo Pereira Filho – Santa Inês, 2013.
RAPÔSO, Maria da Conceição Brenha. A dimensão pedagógica dos movimentos sociais no campo/ Maria da Conceição Brenha Raposa. – São Luis: EDUFMA, 1999.
SANTOS, Murilo. Transformações econômicas e sociais no campo maranhense / Murilo Santos. São Luis: Gráfica Anunciação, 1981.

Fonte: Blog Questão Indígena

CONHEÇA OS PRODUTOS QUE TEMOS PARA VOCÊ